No início de 2023, uma medida provisória (MP 1159/23) do governo federal regulamentou a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins. O ICMS é um imposto estadual aplicável sobre a circulação de mercadorias e serviços, e muitos aspectos de sua aplicação geram dúvidas. A mudança, não seria diferente, também deixou questões em aberto.
Por um lado, a MP 1159/23 serviu para consolidar um entendimento sobre o ICMS que já existia nas cortes superiores, e que chegou a ficar conhecido como “tese do século”. Por outro, gerou incertezas em relação ao cálculo e apuração dos créditos do PIS/Cofins.
Na prática, entender como funciona a exclusão do ICMS do cálculo do PIS/Cofins é importante porque a medida pode impactar no caixa das empresas, alterando o valor que é destinado ao pagamento de tributos.
Neste artigo, veja o que a MP 1159 altera, e quais os efeitos dela no dia a dia tributário das empresas contribuintes. Fique conosco, e boa leitura!
O que diz a MP 1159/23? Bases para a exclusão do icms do cálculo do PIS/Cofins
Em 12 de janeiro de 2023, foi editada a MP 1159/23, cujo efeito imediato é a alteração das regras que formam a base de cálculo do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), a partir da MP, é excluído dessa base de cálculo
Para obter tal efeito, a Medida Provisória 1159/2023 acaba por alterar dispositivos de duas importantes leis para quem atua na seara do Direito Tributário: as leis 10.637/02 e 10.833/03.
Contudo, você pode estar se perguntando, a MP 1159/2023 traz novidades? Em parte, ela serve para atender uma tese do Superior Tribunal Federal (STF), de 2017, que já determinava a exclusão do ICMS da base de incidência do PIS/Cofins. Pragmaticamente, o ICMS deixa de ser considerado parte integrante do faturamento das empresas.
Por outro, a medida também retira o ICMS do cálculo de apuração dos créditos do PIS/Cofins – aspecto que não foi explicitamente tratado pelo STF. Deixar de incluir o ICMS na apuração desses créditos tem potencial para aumentar o valor dos tributos pagos pelas empresas. Por esse motivo, a medida tem gerado discussão.
Antes de continuar, é preciso, então demarcar que a MP 1159/23 exclui o ICMS de dois cálculos distintos: da (1)base de cálculo da incidência e também do cálculo de (2) apuração dos créditos do PIS/Cofins.
Nas próximas seções, nos aprofundaremos em todas as implicações de ambas as mudanças. Antes, no entanto, vamos entender em que circunstâncias políticas e econômicas a MP foi apresentada.
Em que contexto a MP 1159/23 foi aprovada?
A MP 1159/23 é parte integrante de um conjunto ou pacote de medidas, propostas no princípio de 2023, com o alegado intuito de promover o equilíbrio e recuperação fiscal. O ano também marca a mudança na gestão federal, após o processo eleitoral de 2022.
Na apresentação do pacote de ações, o Ministério da Economia também deixou claro que os objetivos da medida incluem o afastamento da insegurança jurídica sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, e o acatamento da decisão do STF e da jurisprudência sobre o tema (ver imagem abaixo).
Por outro lado, quando se considera a exclusão do ICMS também da apuração dos créditos da PIS/Cofins, no regime não cumulativo, a MP serve também para incrementar a arrecadação federal. O Ministério estimou um impacto positivo no Produto Interno Bruto (PIB) de 0,28% em 2023. Em termos de Receita Líquida, são estimados ganhos na casa dos 30 bilhões.
Como funciona a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins?
A exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins provêm do entendimento de que o imposto não integra o faturamento das empresas. Essa concepção parte do pressuposto de que o ICMS não configura receita ou rendimento para a companhia (contribuinte), mas sim para o estado (arrecadador).
Como efeito dessa medida, é possível que as empresas obtenham alguma redução da carga tributária, já que o montante sobre o qual incidirão o PIS e a Cofins será menor.
“Tese do século” e a retroatividade da exclusão do ICMS do PIS/Cofins
Embora a MP 1159/23 represente um acréscimo à segurança jurídica do processo de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, tal posição não é novidade. Em julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 574706, que fixou tese de repercussão geral (Tema 69), o STF já havia entendido que “o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS”. A decisão ficou conhecida como “tese do século” no mundo jurídico.
Em 2021, a suprema corte se reuniu novamente, para julgar embargos de declaração opostos pela União. A decisão acabou por modular os efeitos do Tema 69, isto é, restringindo os efeitos temporais da tese. Por fim, decidiu-se que ela seria aplicável a contar da data em que foi fixada, isto é, 15 de março de 2017.
A única exceção a aplicação a partir desse marco temporal diz respeito às ações judiciciais ou procedimentos administrativos que, por ventura, tenham sido protocolados em data igual ou anterior à 15 de março de 2017.
O julgamento dos embargos, que resultou na modulação, ocorreu em maio de 2021. Na ocasião, a TV Justiça produziu material que pode ajudar na compreensão da tese do STF. Confira, abaixo.
O que muda na apuração de créditos do PIS/Cofins
O Tema 69 acabou por normatizar a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, mas, teria ele efeitos também sobre a apuração dos créditos de PIS/Cofins?
A questão do paralelismo entre as medidas tem movido intensos debates, e preocupação entre os contribuintes. Isso porque, quando se admite a retirada do ICMS da apuração dos créditos do PIS e da COFINS, cresce o valor a ser pago pelas empresas contribuintes. E, evidentemente, aumenta a arrecadação do estado.
O tema é complexo, e o resumo trazido pela Coordenação-Geral de Assuntos Tributários (CAT/PGACCAT), no Parecer SEI Nº 12943/2021/ME, ajuda a entender o tamanho do imbróglio:
- Nesse contexto, e visitando a legislação de regência das contribuições, agora a partir das
decisões proferidas pelo STF no julgamento do Tema n. 69, verifica-se a existência de comando dela decorrente, determinando a exclusão do ICMS da BASE DE CÁLCULO do PIS e da COFINS.
O comando judicial está diretamente relacionado com a hipótese descrita no art. 2º da Lei n. 10.637, de 2002, e no art. 2º da Lei n. 10.833, de 2003, não fazendo referência aos artigos 3° dos mencionados diplomas.- Com esteio na sistemática de apuração do tributo prevista na legislação, pode-se dizer
que, no regime não cumulativo de PIS e COFINS, o contribuinte apura mensalmente a contribuição devida com a possibilidade de efetuar descontos neste valor a título de créditos. Assim, os “débitos” são apurados mediante a aplicação da alíquota sobre a base de cálculo (art. 2º), ou seja, a receita bruta, agora subtraída do ICMS. Desse valor, são descontados os créditos (art. 3º), apurados mediante a aplicação da alíquota do tributo sobre o valor dos itens adquiridos mensalmente, nos termos e nos limites da previsão legal que decorre das normas que disciplinam esses tributos.- Por força dessa técnica de apuração “legislada”, as hipóteses de crédito decorrem de uma
situação jurídica definida expressamente pelas Leis n. 10.637/2002 e 10.833/2003, de modo que
eventual discussão acerca da existência e extensão dos créditos envolveria, necessariamente, a interpretação e a aplicação de regras legais específicas, dirigidas à apropriação de tais benefícios, mas não relacionadas, de forma necessária e direta, com a normatização da base de cálculo (faturamento).- É razoável se entender que, uma vez excluído o ICMS do conceito de faturamento, tal
definição também produza efeitos na tomada de créditos a serem descontados. Entretanto, tal
paralelismo parece não decorrer diretamente da análise efetuada pelo STF no âmbito do julgamento do Tema n. 69. Ao que tudo indica, a decisão da Suprema Corte apenas analisou a questão sob a perspectiva da base de incidência do tributo, nos termos do art. 2º das Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003, não tratando do aspecto relativo ao crédito (art. 3º da Lei n. 10.637/2002 e da Lei n. 10.833/2003) a ser utilizado para abatimento do montante da base de cálculo.
Pareceres técnicos se opõem à MP 1159/23
A MP 1159/23 estendeu os efeitos da exclusão do ICMS não apenas à base de cálculo, mas também aos regime não cumulativo de apuração dos créditos do PIS/Cofins. Os artigos Art. 3º, § 2º, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, prevem as circunstâncias que não dão direito a crédito, e a MP acaba por inserir ali a hipótese “do ICMS que tenha incidido sobre a operação de aquisição”.
Contudo, em pareceres anteriores à MP 1159/23, a Receita Federal, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), dentre outros órgãos, já expressavam o entendimento de que o tema dos créditos não havia sido abarcado no julgamento que originou a “tese do século” no Supremo Tribunal Federal.
Por exemplo, a PGFN, no Parecer SEI Nº 14483/2021/ME, concluiu que “Não é possível, com base apenas no conteúdo do acórdão, proceder ao recálculo dos créditos apurados nas operações de entrada, porque a questão não foi, nem poderia ter sido, discutida nos autos”.
Empresas podem contestar a apuração de créditos que excluir o ICMS?
Diante da exposição acima, fica claro que, embora a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins é matéria pacificada, sua exclusão da apuração dos devidos créditos não é.
Assim, alguns especialistas tributários e em Direito Empresarial tem sustentado que é possível levar à discussão judicial tal situação, pedindo a inclusão do ICMS no cálculo dos créditos devidos. O intuito dessa judicialização seria, evidentemente, reduzir os valores a pagar pelas empresas.
Outros, no entanto, tem feito a leitura de que a exclusão do ICMS tanto da base de cálculo, quanto dos créditos, guarda razoabilidade e coerência. Por esse motivo, tem desrecomendado contestações, e orientado quanto à adequação dos sistemas contábeis e tributários utilizados pelas empresas.
Por ora, o que podemos recomendar é a busca de tributaristas competentes, para a análise caso a caso, de cada organização contribuinte.
Outros temas do Direito Tributário que estão movimentando 2023
Temáticas tributárias e fiscais prometem movimentar o dia a dia dos advogados em 2023. Além da exclusão do ICMS da base de cálculo e da apuração dos créditos do PIS/Cofins, há mudanças no Difal, entre outras contribuições.
Conclusão
Diante da exclusão do ICMS da base de cálculo e da apuração dos créditos do PIS/Cofins, é preciso que as empresas estejam preparadas para adequar seus relatórios e prestações contábeis e fiscais. Nesse cenário, o departamento jurídico tem um importante papel. Orientar os demais setores, fazer auditorias e análises de risco são apenas algumas das ações possíveis.